por Eduardo Ruano
O mercado das falsificações gera para as indústrias um prejuízo estimado de U$20 bilhões ao ano, de acordo com a Associação Brasileira de Combate à Falsificação (ABCF), entidade sem fins lucrativos que, desde 1992, lida com o problema.
Entre os itens que compõem essa lista negra de produtos falsificados e pirateados, ação que se sofisticou com a globalização, figuram de rolamentos a remédios, passando por roupas, combustíveis, cigarros, produtos de higiene pessoal e de limpeza, CDs, softwares, entre outros. Neste universo, um setor destaca-se historicamente como um dos mais prejudicados: o das peças de automóveis.
"As autopeças lideram o ranking das falsificações, contabilizando prejuízo de aproximadamente R$3,2 bilhões por ano", afirma Rodolpho Ramazzini, advogado especializado no combate a fraudes e membro da ABCF.
O alto número de componentes encontrados em um automóvel, a falta de hábito dos brasileiros em exigir notas fiscais dos itens substituídos e a existência de um mercado negro para a venda de itens não originais são apontados pelos especialistas como os principais fatores que agravam o problema.
"Quando levamos nosso veículo a um reparador, estamos confiando nosso bem a um especialista, que tem condições de avaliar um problema e reconhecer uma peça falsificada, o que nós, leigos, não conseguimos fazer", diz Luciano Sousa, assessor técnico da diretoria de fiscalização da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo (Procon-SP).
Só que, de acordo com ele, apenas confiar no profissional ou no estabelecimento já não é o bastante, pois ele também pode ter sido enganado. "É preciso que haja uma mudança de cultura, para que os consumidores passem a exigir que todas as etapas do processo sejam documentadas por meio de orçamentos, notas fiscais e garantia. Esse procedimento dará segurança a todos os envolvidos", afirma o assessor técnico do Procon-SP.
O Procon é apenas um dos órgãos de interface do problema, entrando em ação normalmente quando o produto falsificado já causou algum dano ao consumidor. Atuam na prevenção, investigação, denúncia e na autuação dos responsáveis diversas entidades, como o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), entidades como a já mencionada ABCF, o Fórum Nacional Contra Pirataria e a Ilegalidade (FNCPI), Polícia Federal, Polícia Civil, Receita Federal, Ministério Público e, claro, a indústria.
"Os grupos que hoje praticam esse crime são altamente organizados, e apenas um trabalho em parceria traz resultados positivos. O que vemos hoje é que algumas peças pirateadas são tão semelhantes às originais que somente especialistas conseguem reconhecê-las", diz Rodolpho Ramazzini. Atentas ao problema, diversas fabricantes mantém programas de comunicação estruturados para toda sua cadeia de fornecedores, alertando sobre peças falsificadas, fornecendo treinamentos e demais orientações.
Hoje, para combater a falsificação, os principais fabricantes de peças automotivas reúnem-se em grupos de trabalho, onde são discutidos problemas pontuais - levando queixas de consumidores, da cadeia de fornecedores e demais parceiros que podem ajudar a descobrir esquemas ilegais - associações especializadas investigam, protocolam e encaminham denúncias à Polícia e, no fim do processo, também atuam como peritos na análise dos itens apreendidos, que podem ter origem no Brasil ou no exterior.
"Uma prática comum é a chegada de contêineres da China com peças automotivas de péssima qualidade, que são importadas como sucata e vão para Maringá (PR), um conhecido polo industrial de falsificação e pirataria", afirma o especialista da ABCF. Nos dois últimos anos, mais de 600 denúncias foram encaminhadas pela associação aos órgãos competentes.
Além de relatarem dificuldades na identificação de algumas peças e embalagens como itens não originais, pela sofisticação que as falsificações mais recentes apresentam, mecânicos e reparadores em geral apontam também outro problema: o uso de peças falsificadas levadas pelos próprios donos dos veículos.
"Pesquisa recente feita com nossa base de oficinas revelou que entre 5% e 9% dos consumidores que contratam um reparador independente levam as peças de reposição para o profissional, alegando que o custo com manutenção com o uso de peças originais é caro demais", afirma Cássio Hervé, diretor da Oficina Brasil, portal especializado no segmento de reparação, que conta com uma base de 43 mil oficinas afiliadas em todo o Brasil.
De acordo com Hervé, o estudo foi feito pela Central de Inteligência Automotiva, a Cinau, e concluiu também que o fato desagrada a 100% dos profissionais envolvidos. "Nossa orientação para os reparadores que passam por isso é que façam um termo por escrito, com a assinatura do cliente, descrevendo que se responsabilizam pela mão-de-obra, mas a procedência da peça é de responsabilidade do cliente", ensina ele.
Sousa, do Procon-SP, afirma que essa é uma ótima maneira que o bom fornecedor tem para se resguardar de problemas futuros. "O próprio artigo 21 do Código de Defesa do Consumidor prevê isso, pois trata da obrigatoriedade do uso de peças originais pelo reparador, a não ser que haja autorização em contrário do próprio consumidor", afirma ele.
Os programas de certificação são boas estratégias para enfrentar o problema, pois tem caráter preventivo. Há dois anos, o Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) iniciou um processo de certificação para peças automotivas, para dar mais segurança ao consumidor e proteger o mercado interno de produtos de péssima qualidade.
Pelo Programa de Certificação Compulsória de Componentes Automotivos, que é regulado por uma portaria, os fabricantes e importadores tiveram até janeiro do ano passado para se adequar às novas normas, enquanto o comércio tem até julho deste ano para vender itens em conformidade.
Os componentes automotivos regulamentados são amortecedores, bombas elétricas de combustível para motores do ciclo Otto, buzinas, pistões de liga leve de alumínio, pinos e anéis de trava (retenção), bronzinas, lâmpadas para veículos automotivos, e a novidade, anunciada neste ano e com datas diferentes das mencionadas acima para início, são os freios (fabricantes têm 24 meses para se adaptar, e os varejistas 42 meses para a venda os itens em conformidade). Vidros de segurança de para-brisas, pneus, catalisadores, fluidos de freio e rodas automotivas foram regulamentados anteriormente.
"O objetivo da medida é tornar obrigatório o atendimento a requisitos mínimos de segurança para as autopeças usadas no mercado de reposição, já que as usadas nos veículos novos são submetidas a um processo de qualificação dos fornecedores que é feito pelas montadoras", diz Alfredo Lobo, diretor da Qualidade do Inmetro.
De acordo com Lobo, a medida, inédita no Brasil, vigora da União Europeia, Estados Unidos e Austrália, regiões que serviram de referência para a versão brasileira da obrigatoriedade. Todos os produtos certificados terão o selo de conformidade do Inmetro para orientação do consumidor.